sexta-feira, 16 de maio de 2008

Escola


Deixar a escola foi bastante complicado para mim. Frequentava o 12º ano, estava no início do 2º período quando fui internado no Hospital de Guimarães. A escola era o meu habitat natural, raramente faltava às aulas. Gostava imenso do convívio com os meus colegas, de aprender cada vez mais, prestando muita atenção ao que os professores ensinavam.
Como fui assim internado de surpresa, não tive oportunidade para avisar os professores e os meus colegas. Durante aquele período em que estive em Guimarães, apenas tive visita de colegas meus em duas ocasiões. Sentia falta daquele convívio diário, do contacto com os meus parceiros da escola.
Nos momentos difíceis e quando mais precisamos dos amigos e, naquela altura, apercebi-me de que ainda não possuía grandes e verdadeiras amizades. Talvez esteja a ser injusto comigo mesmo e com os meus colegas daquela época, mas foi uma realidade que vivi naqueles momentos de sofrimento.

Num dia em que fui à escola conversar com o director de turma, no intervalo do primeiro tratamento de quimioterapia, cruzei-me com alguns colegas meus nas escadas da biblioteca e apercebi-me da expressão de receio que pairava nos rostos deles, quando se depararam com o meu estado bastante fragilizado. Não era o mesmo Hélder que eles estavam habituados e ver.
Nessa reunião com o director, foi decidido que teria de suspender o ano lectivo em curso, pois não seria possível completar os dois períodos necessários para concluir com sucesso o secundário. A escola era uma parte de mim que ficava para trás nesse momento.

Em Setembro, iniciava-se um novo ano lectivo e eu decidira enfrentar o desafio de regressar novamente às aulas logo no primeiro dia. Ainda me sentia algo frágil, pois havia terminado recentemente os ciclos de quimioterapia. Pode parecer um pouco aventureiro ou heróico, mas para mim a vontade de voltar à escola era imensa, o que me levou a encarar tudo com bastante naturalidade, sem preconceitos relativamente à minha nova imagem, perante a exposição de uma escola inteira.
Recordo-me desse dia em que entrava naquela escola como se fosse uma criança a caminho do seu primeiro dia de aulas. Possuía um grande entusiasmo por voltar a sentir o contacto com aquele lugar bem familiar. Estava em frente à porta da sala onde iria ter a primeira aula, rodeado pelos meus novos colegas de turma, quase todos eles desconhecidos para mim.
A professora chegava à sala de aula e ao passar por mim saudou-me, pois já tinha sido minha professora há cerca de dois anos. Nas aulas sentia um à vontade que não era comum nos anos lectivos anteriores. O meu sentido de humor estava bem mais apurado, pondo um pouco de parte a timidez que fazia parte da minha personalidade.
Alguns dos meus professores eram meus conhecidos, o que ajudou a manter um relacionamento bastante agradável naquela turma, visto que não me identificava com a personalidade de uma boa parte dos meus colegas, pois considerava que se preocupavam muito em estudar, existindo uma certa obsessão e rivalidade por causa das notas.
Apesar de ter estado quase um ano afastado dos livros e das aulas, foi fácil para mim esta readaptação à escola encarava aquilo tudo com um certo à vontade, talvez até um pouco em demasia. Não sentia qualquer espécie de discriminação ou preconceito. A administração da escola deu-me todo o apoio necessário para que me pudesse sentir o mais à vontade possível, embora não fosse preciso nada de especial. Uma das alterações que efectuaram, foi a distribuição de quase todas as aulas da minha turma nas salas do rés-do-chão, para evitar que eu tivesse que despender demasiado esforço físico a subir e descer escadas.
Apesar de andar imenso sobre as canadianas, os meus braços sentiam-se com força suficiente para transportar o meu corpo, percorrendo alguns quilómetros diários pela escola. Sentia-me muito bem, começava a relacionar-me melhor e a simpatizar com os meus colegas e, apesar de pouco estudar, os resultados e as notas apareciam com alguma naturalidade.
Talvez um dos meus maiores receios fosse a minha reacção às aulas de Educação Física. Adorava desporto e sempre participei com enorme dedicação nessas aulas, mas agora a realidade era bem diferente. Por incrível que possa parecer, assistia às aulas de Educação Física, vendo os meus colegas empenhados e divertidos nas diversas actividades desportivas sem sentir qualquer espécie de mágoa ou desilusão por não poder participar activamente naquelas actividades. Um pormenor que já não era tão agradável era o facto de ter de elaborar os relatórios de cada aula, mas era um elemento necessário para a minha avaliação.

Na primeira semana de férias da Páscoa, estava marcada uma visita de estudo para Lisboa. Desde que soube da existência desta viagem, que quis participar, sabendo que era organizada por um professor amigo, que fazia questão que eu fosse. Estava ainda a adaptar-me à prótese, mas foi uma semana bem intensa, em que me diverti imenso, e em que pude testar a resistência das minhas capacidades físicas. Para quem estava ainda a dar os primeiros passos com uma prótese, caminhei vários quilómetros, aproveitando e desfrutando ao máximo de cada lugar que visitamos em Lisboa.
O ano lectivo decorreu com bastante naturalidade, concluindo o 12º ano com relativa facilidade, preparando-me para enfrentar um novo desafio, o de ingressar na Universidade.

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