sexta-feira, 9 de maio de 2008

Calvário III


Regressava a casa com os meus pais, num estado degradante, o meu rosto parecia a imagem pálida de um fantasma, mas com a firme convicção de que nas próximas três semanas teria de enfrentar uma batalha para recuperar forças e ânimo para o próximo ciclo de quimioterapia.
Sentir-me novamente em casa era sinónimo de uma serenidade de que o meu ser estava mesmo a precisar. Durante os primeiros dias, os enjoos continuavam a aparecer com frequência, sentar-me à mesa para fazer uma refeição era um momento doloroso, pois sentia-me incapaz de comer. Fazia um grande esforço para me alimentar, pois tinha bem presente a noção de que era fundamental alimentar-me. Para recuperar os meus níveis sanguíneos, tentava também ingerir um xarope à base de Aloé Vera.
Na primeira semana em casa, surgiu outro dos efeitos colaterais da quimioterapia, para o qual eu já estava alertado. Um dia, ao acordar, deparei-me com a quantidade de cabelo que tinha deixado durante a noite na minha almofada. Percebi então que as minhas raízes capilares haviam sido muito enfraquecidas e iria perder todo o meu vasto cabelo. Era uma sensação estranha passar a mão pelo cabelo e ficar com grandes madeixas soltas na mão. Decidi então que o melhor seria ir à minha cabeleireira e passar o cabelo a pente um, para evitar que o meu cabelo ficasse solto por todo o lado. Ganhava agora um novo look, algo que era novo para mim, pois nunca tinha aderido a algum tipo de cortes radicais no meu cabelo.
O facto de perder o meu cabelo não me preocupava, seria inútil gastar as poucas forças que me restavam a irritar-me com esse pormenor. Sentia o olhar das pessoas quando me cruzava com alguém na rua, mas era algo que não me magoava, pois apesar de me sentir observado com um olhar invasor, tinha a noção de que era sobretudo olhado por curiosidade e por ignorância. Não podia julgar os outros por desconhecerem esta realidade diferente e pouco comum numa terra pequena.
Passava a maior parte do tempo em casa, pois além do cansaço também era frequente sentir frio quando saía à rua. Deslocava-me apenas ao Centro de Saúde, para que me fizessem o curativo ao joelho. Durante os curativos constatava que o golpe continuava sem querer cicatrizar, sinal de que as minhas células continuavam doentes.
Com o passar dos dias, os enjoos foram desaparecendo gradualmente e já recomeçava a sentir aquele apetite normal para me sentar à mesa e desfrutar de uma refeição normal. Este aspecto trazia-me algum ânimo e fazia com que começasse a recuperar algumas forças. Por outro lado, tinha a noção de que estava próximo o próximo ciclo de quimioterapia, o que me deixava algo consternado.

Sem comentários: