quinta-feira, 15 de maio de 2008

Cirurgia II


Na manhã do segundo dia após a cirurgia, uma das médicas que assistiu à operação entrava pelo meu quarto. Depois de me saudar, deu-me um valente puxão de orelhas, dizendo-me com um ar bastante sério que eu podia ter morrido no bloco operatório, devido a não ter cumprido correctamente o período de jejum.
Recordava-me vagamente de ter bebido um pouco de água durante a noite, ainda que inconscientemente, pois tinha acordado durante o sono com bastante sede. Esse acto irreflectido havia provocado aquela convulsão de que me lembrava ter tido durante a cirurgia.
Seguidamente, com a ajuda das enfermeiras, a médica prosseguiu com o curativo. Reparava, pela primeira vez, como havia ficado o que restava da minha perna direita, quando foram removidas as ligaduras. Era uma enorme sutura que abrangia toda a extremidade do coto. Parecia que estava tudo em ordem e, depois da lavagem com soro fisiológico, colocaram novamente umas ligaduras em volta do coto. Tinham que ficar bem ajustadas, o que me provocou dores fortes, intensas e profundas, levando-me a gemer durante alguns instantes.
Após o curativo fiquei um pouco mal disposto, devido ao sofrimento que havia passado há momentos…

Passava os meus dias deitado na cama, com a companhia da minha querida mãe, a que se juntava o meu pai na hora das visitas. As enfermeiras mostravam-se muito simpáticas e prestáveis. De manhã, ajudavam-me com a minha higiene pessoal, cuidando muito bem de mim.
Apesar de estar sempre naquela posição e de o meu corpo manifestar algumas reacções um pouco desconfortáveis e incómodas, mantinha uma boa disposição diária, despertando com um belo sorriso para a vida logo que os raios de sol inundavam o meu quarto pela aurora matinal.
No primeiro Domingo em que estava internado, recebi inúmeras visitas de familiares chegados. Foi agradável sentir o calor humano de pessoas que me eram muito queridas. Todos ficavam surpreendidos com a minha disposição bastante alegre, o meu riso espontâneo e o sorriso doce que contagiava aquele quarto.

Uma semana após a cirurgia, logo pela manhã, entrava um enfermeiro cheio de energia pelo meu quarto, cumprimentando-me e dizendo em tom de provocação: “Menino Helder acabou-se a preguiça, toca a sair da cama…” O meu primeiro pensamento, após ouvir aquelas palavras, foi que só podia estar a brincar comigo, mas passados alguns minutos, entrava novamente no meu quarto com uma cadeira de rodas.
Era uma sensação muito estranha levantar-me daquela cama ao fim daquele tempo todo. Com a ajuda do enfermeiro conseguia sentar-me confortavelmente na cadeira de rodas e encetar um passeio pelos corredores daquele piso. Sentia uma sensação de liberdade incrível.
Lentamente começava a recuperar alguma independência que havia perdido, nas actividades mais banais do ser humano. Deslocar-me sozinho à casa de banho para cuidar da minha higiene pessoal e satisfazer as necessidades mais básicas, eram alguns dos exemplos que estava a reaprender a fazer sozinho.
O meu corpo não conseguia manter o equilíbrio natural quando me colocava em pé, pois agora faltava-me um membro de apoio. Em pouco tempo, passei da cadeira de rodas para as canadianas. Sentia uma maior auto-suficiência, podendo deslocar-me e movimentar-me com uma maior à vontade e liberdade.
Encarava os dias com maior naturalidade, tentando adaptar-me à nova realidade do meu corpo. A minha recuperação estava a decorrer muito bem, sentia-me forte física e psicologicamente. Durante os curativos, podia observar que, aparentemente, a sutura estava a cicatrizar normalmente. Apenas as reacções da minha pele aos adesivos me continuavam a incomodar bastante. Foi marcada uma consulta de dermatologia para que esta reacção cutânea, esta alergia ardente pudesse ser tratada. O dermatologista que me observou prescreveu-me uma pomada para aplicar duas vezes por dia. Comecei logo nesse mesmo dia com o tratamento, aplicando a pomada sobre a minha pele, sentindo um alívio reconfortante.

Cerca de quinze dias após o internamento, a equipa médica que acompanhava o meu processo decidia dar-me alta clínica, dizendo-me que tinha de regressar várias vezes para consultas onde iriam observar a evolução do meu caso. Estava pronto para regressar a casa com os meus pais, uma nova realidade estava à minha espera…

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